quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Conversa com a pedra

Conversa com a pedra

Bato à porta da pedra.
- Abre. Sou eu.
Quero entrar dentro de ti,
Olhar tudo ao meu redor,
Respirar-te.
- Vai-te embora - diz a pedra.
Estou hermeticamente fechada.
Mesmo feita em pedaços
estou hermeticamente fechada.
Mesmo em areia desfeita
Não abro a ninguém.
Bato à porta da pedra
- Abre. Sou eu.
Venho por pura curiosidade.
A vida é a única ocasião para a satisfazer.
Tenciono passar pelo teu palácio
e depois visitar ainda a folha e a gota de água.
Não tenho muito tempo para isto tudo.
O meu ser mortal devia comover-te.
- Sou de pedra - diz a pedra -
impossível perturbar a minha serenidade.
Vai-te daqui.
Faltam-me os músculos do riso.
Bato à porta da pedra
- Abre. Sou eu.
Ouvi dizer que há em ti grandes salas vazias,
nunca vistas, belas em vão,
mudas, sem eco dos passos de ninguém.
Reconhece que tu própria pouco sabes disso.
- Grandes salas e vazias - diz a pedra -
só que lá não há lugar.
Belas, talvez, mas de beleza inacessível
aos teus pobres sentidos.
Poderás reconhecer-me, mas nunca me conhecerás.
Em toda a superfície volto-me para ti,
Mas o meu interior volta-te as costas.
Bato à porta da pedra.
- Abre. Sou eu.
Não procuro em ti eterno asilo.
Não me sinto infeliz.
Não sou um sem-abrigo.
O meu mundo é digno de regresso.
Hei-de entrar e sair de mãos vazias.
E como prova real de ter estado,
não apresentarei senão palavras
a que ninguém dará crédito.
- Não entras - diz a pedra.
Falta-te sentido de participação.
E nenhum outro sentido pode substituí-lo.
Nem um olhar omnividente
te servirá de nada sem esse sentido.
Não entras. Em ti esse sentido é vaga intenção.
Vago é o seu germe, a sua concepção.
Bato à porta da pedra.
- Abre. Sou eu.
Não posso esperar dois mil séculos
para me recolher ao teu telhado.
- Se não acreditas em mim - diz a pedra -
vai ter com a folha, dir-te-á o mesmo.
Com a gota de água e o mesmo te dirá.
Pergunta por fim a um cabelo da tua própria cabeça.
Estou prestes a rir às gargalhadas
De rir como a minha natureza me impede de rir.
Bato à porta da pedra.
- Abre. Sou eu.
- Não tenho porta - diz a pedra.

Wislawa Szymborska

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